STF DECIDE QUE ESTADOS NÃO PODEM COBRAR ITCMD SOBRE DOAÇÕES E HERANÇAS ADVINDAS DO EXTERIOR
Encontra-se prevista na Constituição Federal de 1988 a competência dos Estados e Distrito Federal para tributar a transmissão causa mortis e doação de bens e direitos, devendo, no entanto, submeter-se a norma geral aprovada por meio de lei complementar federal.
No entanto, mais de três décadas depois, o ITCMD ainda não foi objeto de regulação, seja nos termos do art. 146[1] ou, ainda mais especificamente, do próprio art. 155, §1º, inciso III[2], ambos da Magna Carta.
Nessa senda, visando legitimar a arrecadação fiscal, cerca de 22 Estados, incluindo-se aí o Distrito Federal, a despeito da determinação constitucional, editaram leis próprias com base na chamada competência plena[3] que, supostamente, permitiria aos mesmos definir normas gerais para suprir a omissão até então existente.
Assim, dentre as controvérsias advindas das leis estaduais, destaca-se a discussão acerca da possibilidade de instituição de ITCMD sobre as transmissões em que o doador possua domicílio ou residência no exterior ou o falecido possua bens, resida, tenha domicílio ou inventário no exterior.
De tal modo, apreciando a questão, o STF, por meio do tema 825 (RE 851.108), julgado em sede repercussão geral nesta última sexta-feira (26/02), consolidou, por sete votos a quatro, a seguinte tese: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.”.
Destarte, somente caberia aos Estados e ao Distrito Federal legislar de forma plena nos casos que envolvam alcance local, relativas as particularidades da região, não alcançando situações com possíveis conflitos de competência ou bitributação, a fim de não afetar o relacionamento entre Estados-membros ou mesmo países com os quais o Brasil possua tratados, mantendo-se a uniformidade do sistema tributário.
Por conseguinte, o STF ressaltou que os artigos das leis estaduais que visam a incidência de ITCMD sobre a transmissão de bens localizados no exterior ou em que o doador ou o falecido possua domicílio ou residência no exterior devem ser compreendidos como de eficácia contida, dependendo de lei complementar para geração de efeitos.
Fundamentou, pois, que, em decorrência do elemento extraterritorial das hipóteses de incidência e a específica exigência constitucional de lei complementar para disciplinar a matéria (art. 155, §1º, inciso III da CF/88), superando a determinação geral do art. 146 da CF/88, o Poder Constituinte dedicou a regulação exclusivamente ao Congresso Nacional.
Logo, a tributação das transmissões de bens localizados no exterior ou com o doador/falecido com domicílio/residência no exterior configuram-se exceções as hipóteses gerais do imposto, de modo que a previsão constitucional específica, para além da exigência do art. 146 da Magna Carta, justifica a adoção de entendimento diverso ao já consolidado na jurisprudência pátria que admitia a normatização pelos Estados e Distrito Federal.
Para tanto, em razão do apelo do Estado de São Paulo alegando significativo impacto orçamentário em decorrência do posicionamento favorável aos contribuintes, bem como considerando, ainda, as consequentes repercussões em outros Estados e no Distrito Federal, o STF modulou os efeitos da decisão com validade para os fatos geradores que venham a ocorrer a partir da publicação do acórdão.
No entanto, amoldando-se a proposta do Ministro Roberto Barroso, por se revelar mais adequada a realidade, ficaram ressalvadas as ações judiciais em curso nas quais o contribuinte, em dúvida sobre o credor do ITCMD, discuta a bitributação por dois ou mais Estados, e, também, os processos que versem sobre a validade da cobrança do imposto ainda não quitado.
Por fim, o STF apresentou um apelo ao Poder Legislativo para que seja suprida a omissão por meio da regulação da matéria em lei complementar federal, evitando-se conflitos entre a Justiça e a reserva de lei.