HERANÇA DIGITAL: MÍDIAS SOCIAIS E OS EFEITOS JURÍDICO-PATRIMONIAIS DOS CONTEÚDOS PRODUZIDOS NO ÂMBITO DIGITAL

Tiago Torres

Sócio do Departamento Institucional LNDN

 Em regra, o brasileiro não é um grande adepto ao planejamento sucessório (o que deveria ser). De igual forma, não é segredo o fato de que cada vez mais a vida de todos está inserida em um contexto dúplice, entre o mundo “analógico” e o mundo “digital”.

Nesse sentido, com o intenso uso de redes sociais e compartilhamento de informações pessoais pelos usuários com a rede, os direitos da personalidade ultrapassam a barreira do mundo físico e chegam ao plano digital com a mesma força e importância que no plano analógico. Afinal o contexto de proteção à dignidade e integridade de bens como a honra, liberdade, privacidade e intimidade continua plenamente válido também em ambiente online.

Mais do que a própria regulamentação sobre proteção de dados pessoais (vide Lei n. 13.709/2018, ou Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), o Direito tem sido colocado frente à necessidade de se promover ampla proteção aos citados direitos personalíssimos no âmbito online, quanto aos próprios conteúdos incorpóreos produzidos. Cite-se, como exemplo, textos, áudios, vídeos ou demais conteúdos gravados em ambientes pessoais do usuário, compartilhados ou não para terceiros.

O problema inicial ocorre quando tais conteúdos, de valor subjetivo e pessoal, são deixados pelo produtor ou proprietário de tal patrimônio em razão de sua morte. Em não raras vezes, os conteúdos exprimem importância financeira concreta.

Trata-se da chamada “Herança Digital”, cuja discussão vem ganhado contornos cada vez mais expressivos com o crescente número de personalidades que surgem nas mídias digitais. Os influenciadores digitais, youtubers, instagramers ou tiktokers, para citar alguns exemplos, contabilizam seguidores, curtidas e engajamento em seus perfis nas redes, gerando conteúdo de valor para grande número de pessoas, ainda que exclusivamente incorpóreo e imensurável patrimonialmente (o que pode significar cifras expressivas, inclusive, como verdadeiros bens digitais).

Mas a existência de uma herança digital não se restringe apenas a personalidades. O que se indaga, normalmente, é como transmitir tal conteúdo de valor gerado aos sucessores legítimos do proprietário, ou como se extrair de tais conteúdos o valor devido.

A questão é bastante conflituosa, sobretudo por não haver legislação específica sobre o tema. Em um contexto histórico, os Projetos de Lei 4.827/2012 e 4.099/2012, que abordavam sobre a questão da Herança Digital, acabaram arquivados pelo Congresso sem o desfecho esperado.

Em 2017 foi apresentado o Projeto de Lei 7.742/2017, que visava incluir dispositivo no Marco Civil da Internet para viabilizar a exclusão de conteúdo das contas pessoais dos usuários falecidos após a sua morte, mediante requerimento de cônjuge, companheiro ou parente maior de idade. De igual modo, estabelecer um prazo de 01 ano para exclusão de todos os dados e registros armazenados, ressalvado requerimento de prorrogação pela autoridade policial ou Ministério Público, considerando a inviolabilidade à intimidade e privacidade do usuário, ainda que falecido.

Mais recentemente, o Projeto de Lei 3050/2020 objetiva incluir no Código Civil diretamente o direito à herança digital. De acordo com o Projeto, serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos, contas e arquivos digitais do autor da herança.

O conflito entre inviolabilidade dos direitos personalíssimos do falecido e a mensurabilidade econômica dos conteúdos produzidos em ambiente online é o que se encontra na ordem do dia das decisões judiciais, ainda sem uma linha definida de abordagem. Afinal, a ruptura paradigmática que o direito vem experimentando, com os efeitos cada vez maiores da tecnologia, aponta as lacunas do ordenamento jurídico e desafia o judiciário a supri-las de acordo com as demandas da sociedade moderna.

Nessa toada, os pretensos titulares de tais bens ou direitos que possam vir a ser transmitidos em uma sucessão, são partícipes importantes na construção e solidificação de entendimentos que reconheçam e protejam o direito a esta herança digital. De igual forma, o reconhecimento amplo do direito à transmissão dos bens ou direitos digitais parte também de seu titular originário, frente a possibilidade existente de que este, em vida, inclua em seu testamento os bens digitais e a forma que serão partilhados na sucessão.

O trabalho de investigação científica para a contextualização e individualização daquilo que é direito personalíssimo ou bem que exprima valor patrimonial, ainda que incorpóreo, é etapa necessária nesse contexto. A virada tecnológica do direito, caminhando ao lado da complexidade de interesses em sociedade, coloca à prova a própria capacidade do judiciário em dar o tratamento correto aos interesses em discussão.

Restou alguma dúvida? O escritório LNDN está preparado para auxiliar no entendimento e sobre este e outros assuntos importantes.

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