É possível a distribuição desproporcional de dividendos entre acionistas de uma S/A?

Pollyane Cunha e Thais Terenzi

Sócias do Departamento de Contratos e Planejamento Patrimonial e Sucessório LNDN

 

Durante a estruturação de um planejamento patrimonial, muitas vezes o profissional exclui a possibilidade de constituição de uma S/A, diante a impossibilidade de distribuição desproporcional de dividendos entre acionistas. Por muito tempo, quando necessária essa distribuição desproporcional, optou-se pela constituição de LTDAs.

Isso porque, o Código Civil, que regula a sociedade limitada, prevê a possibilidade de esse tipo societário adotar a distribuição desproporcional de lucros sem guardar proporção com a participação no capital social, sendo vedada, no entanto, a exclusão do sócio na participação nos lucros e nas perdas do empreendimento.

Sobre as Sociedades Anônimas, após as alterações trazidas pela Lei Complementar nº182/2021 à Lei 6404/1976, em seu art. 294, parágrafo 4º, entende-se ser possível a distribuição desproporcional de lucros entre acionistas de uma companhia de capital fechado (ou a distribuição dos resultados de forma desigual à participação dos acionistas no capital da companhia), quando deliberada por acionistas representando a totalidade do seu capital social, em companhias fechadas que tiverem receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais).

Num primeiro momento, a distribuição desproporcional seria possível, pela conversão das ações ordinárias em preferenciais, opção que poderia ser revertida a qualquer tempo, mediante deliberação em assembleia. Ocorre que exigir que acionistas de uma companhia de capital fechado, que desejam acordar uma determinada distribuição de forma desproporcional, recorram a estruturas complexas e transitórias relacionadas à conversão de ações ordinárias em preferenciais seria impor um ônus desnecessário ao que deveria ser um livre arranjo de natureza puramente econômica entre os acionistas.

No mesmo sentido, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, consubstanciada na Lei 13.874/2019, evidencia a necessidade de se preservar a liberdade consagrada na iniciativa privada, garantindo o livre exercício de atividades econômicas e a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício destas atividades.

Assim, ao se analisar a possibilidade de questionamento de uma deliberação, por unanimidade, de uma distribuição desproporcional de dividendos entre acionistas de um mesmo tipo ou classe de ações, necessário também avaliar quais seriam as partes legítimas para questionar tal deliberação, visto que, nenhum dos acionistas que assim o deliberaram teria, em tese, legitimidade para questionar o arranjo negocial a que voluntariamente se submeteu.

Destaca-se a inovação trazida pela Lei Complementar 182/2021, que alterou a Lei de S/A, incluindo o parágrafo 4º do art. 294: "§ 4º Na hipótese de omissão do estatuto quanto à distribuição de dividendos, estes serão estabelecidos livremente pela assembleia geral, hipótese em que não se aplicará o disposto no art. 202 desta Lei, desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade."

Vale dizer que se trata de alteração legislativa recentíssima, ainda sem grandes manifestações jurisprudenciais ou do CARF acerca da matéria. Partindo-se da premissa da possibilidade de distribuição desproporcional, no tocante ao aspecto fiscal, três requisitos seriam fundamentais para evitar uma descaracterização do lucro distribuído de forma desproporcional, quais sejam:

  1. O lucro distribuído esteja lastreado em escrituração contábil regular, que comprove a sua existência e o pagamento no plano fático;

  2. Não exista situação fática que demonstre que, em verdade, tal distribuição seria uma simulação, escondendo pagamento com natureza diversa da distribuição de lucros;

  3. Regularidade societária, a deliberação em ata e a previsão da possibilidade de distribuição desproporcional em contrato social ou estatuto social.

Dessa forma, atendidos os requisitos apresentados, os contribuintes titulares de uma mesma classe de ações poderiam distribuir dividendos desproporcionalmente, desde que não haja a caracterização de simulação ou fraude, em observância à causa jurídica da participação no resultado pelos sócios e em respeito à liberdade de contratar, além da expressa possibilidade prevista no art. 294, parágrafo 4º da Lei de SA.

 Portanto, ferramenta muito útil em contextos envolvendo planejamento patrimonial e sucessório.

 

 Você já considerou constituir uma S/A no âmbito de um planejamento patrimonial? O LNDN está preparado para auxiliar no entendimento sobre este e outros assuntos importantes.

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#ParaTodosVerem: imagem de prédios, simulando se tratar de empresas. Em primeiro plano, uma espécie de alameda com algumas árvores. Chamada no canto inferior esquerdo, sobre distribuição proporcional de dividendos entre acionistas de SA.

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